“Para quem é obrigado a sonhar de olhos bem abertos todo movimento é invertido, toda ação se quebra em fragmentos microscópicos. Creio, enquanto atravesso os horrores do presente, creio que só aqueles que têm a coragem de fechar os olhos, só aqueles em permanente ausência da condição conhecida como realidade é que podem afetar o nosso destino”.
(H. Miller)
Mochila de Gerações
O que não se passa em plena rua
é falso, derivado, isto é, literatura.
(Henry Miller)
é falso, derivado, isto é, literatura.
(Henry Miller)
As linhas que serão traçadas a seguir provavelmente não encontrarão espaço na confecção de nosso Jornal Laboratório. Apesar disso, me entreguei à liberdade de experimentar o desafio de me aventurar por entre caminhos pouco usuais, talvez desconhecidos, exatamente como um cientista inquieto diante de seus ensaios e formulações. O risco, no entanto, ao invés de inibir qualquer expectativa, apenas acende violentamente o desejo por um horizonte abundante de luz.
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No dia 22 de março de 2007, o professor de Relações Públicas, Ricardo Benevides, convidado pelo professor PC Guimarães, expôs para a turma de Técnica de Reportagem a influência que o livro On The Road, de Jack Kerouac, provocou, nos EUA, sobre a geração beat. Os beatniks formavam uma legião de jovens que, inconformados com o espírito mesquinho que pervagava o american way of life, se propunha a incendiar na juventude a necessidade de despertar uma nova forma de ser, um outro olhar sobre as questões do mundo.
Fortemente atacado pelo macartismo (doutrina que ficou conhecida através do senador Joseph McCarthy, durante a Guerra Fria, o macartismo procurava repreender toda manifestação contrária às posições políticas dos EUA; qualquer ameaça à ordem e aos bons costumes seria condenada como uma investida subversiva, de direção comunista, e precisaria ser combatida), o movimento conseguiu ganhar da justiça americana o direito de perpetuar as suas reivindicações por maior liberdade de expressão. A geração beat anos mais tarde viria a repercutir acenos de vários artistas, entre eles Bob Dylan e Renato Russo. Os hippies também receberam do livro de Kerouac o fôlego de coragem para desbravar as estradas em busca de uma alternativa social que garantisse entre os indivíduos a cooperação em nome da paz e do amor.
Ricardo Benevides, durante a entrevista, ponderou, entretanto, a respeito da designação atribuída ao termo “literatura do caminho”, constantemente relacionado à chamada cultura beat. Segundo ele, Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto, bem como Vidas Secas, de Graciliano Ramos, podem também estar situadas no conceito de tal referência literária. O problema que enfrentou durante essa avaliação repousa justamente na incongruência que legitima o mesmo critério ou valor literário a qualquer tipo de expressão conferida através escrita. Dessa maneira, Benevides teve que considerar, inclusive, o livro de Bruna Surfistinha, O Doce Veneno do Escorpião, como um exemplar da tal literatura de estrada. Ainda nas palavras do professor e de outros especialistas no assunto, On The Road é um livro que pode ser entendido sob a ótica do existencialismo. Diante destes paradoxais atalhos, fica difícil discernir com clareza a autenticidade do discurso que se esforça para se fazer crer como verdadeiramente original ou contra-cultural.
Se levarmos em conta o existencialismo como a filosofia na qual o indivíduo assume autonomamente a liberdade e a responsabilidade de seu próprio Juízo e que, portanto, cada indivíduo em posse da razão pode elaborar a profecia de seu próprio destino, resta-nos observar em que medida a coletivização dos interesses de Jack Kerouac findaria por sufocar o próprio existencialismo em si. Se tratado como uma forma de ideologização, um estandarte, o suposto existencialismo que o livro mobilizou acaba pairando num absurdo longe do caráter Grundlos conceituado por Schopenhauer ou, mais distante ainda, do pessimismo amargurado de Cioran. É por isso que, a partir do momento em que On The Road é tomado como ideologia, uma espécie de Bíblia de determinado movimento ou tradição, o livro colabora para a instauração do fanatismo, da crença resignada e cega.
Isto quer dizer que o sucesso da literatura de Kerouac se deve muito mais à garantia comercial que o livro, como negócio, prometia aos seus patrocinadores do que pelo desprezo que urgia ser vomitado na estúpida face da sociedade de consumo na qual o autor narra as suas desventuras. Ou seja, neste mundo das mercadorias, nenhuma novidade é lançada despretensiosamente, mesmo que sua embalagem aparente a oferta de um objeto revolucionário. Sob esse ponto de vista, Jack Kerouac “ingenuamente” contribui para o que entendemos como a cosmetização do espírito transgressor ou anárquico. Tanto é que o próprio autor consideraria, anos mais tarde, o movimento beat, refletido nas ruas, como algo ridículo e esvaziado da intenção que o motivara a escrever. Apesar da infelicidade do arrependimento, para ser publicado, apenas para fazer fama, Jack superestimou o valor de sua obra e, por vaidade, vendeu e permitiu que seu trabalho fosse editado e adulterado, conseguindo enriquecer com o livro que ainda gerou bons lucros para a indústria da moda. A partir da instauração dessa moda, a dita juventude contestadora adere à naturalização do uso indiscriminado das drogas, à celebração da degradação humana de tendências suicidas, à banalização da vida, do sexo e às práticas de uma sociedade decadente. E por incrível que pareça, aceita esta “verdade”, inquestionável para a maioria, com orgulho, ao mesmo tempo em que procura equilíbrio nas meditações zen-budistas. Em síntese, o porta-voz desta geração, aliado com o discurso publicitário, simplesmente permite associar a tão ansiada “liberdade” como um mero objeto de consumo.
Quando o projeto de construção de uma nova sociedade de caráter transformador esbarra na ânsia da felicidade imediata, não resta outra opção senão entregar suas mais nobres aspirações nas mãos do capitalismo que tudo tem para vender no seu estoque de quiquilharias. A título de ilustração, vale a pena constatar que a loja de roupas Gang era uma grife que vendia acessórios para o público underground, para punks. O nome da etiqueta já sugere um rótulo do marginal. Ou seja, ser “marginal” era o barato vendido pela marca. Toda a tribo encontraria na Gang ofertas para vestir cuidadosamente a armadura do jovem revoltado. Anos se passaram e a onda do nosso momento não é mais ser trash. O importante agora é aproveitar a vida com saúde, estampar para os amigos um corpo sarado e perfeito, trocar dicas de alimentação e personal-trainers. E a história continua: a loja que vendia para o público punk, por um simples cálculo financeiro, encaminhou seus investimentos para um mercado mais atraente. Agora vende roupas para funkeiros e funkeiras que por alguma razão encontram diversão no baile. Não é intenção desse artigo ir além na questão do funk. Muitos especialistas já se dedicaram ao assunto. Mas se você não gosta de funk, poderá encontrar outra tribo legal para encontrar a galera.
De uma maneira geral a juventude não perdeu o desejo de dar a volta ao mundo, de entregar o espírito ao vento, de ver novas paisagens e culturas através da janela do carro. Todavia, como tudo hoje em dia tem que ser acelerado, resta a opção de uma outra janela que te coloca em contato com o mundo inteiro “em tempo real”: eis o Windows!
Glossário:
Geração
1. produção, formação 2. procriação, concepção 3. grau de filiação em linha direta 4. descendência 5. Conjunto de pessoas que tem mais ou menos a mesma idade 6. Cada uma das fases sucessivas que assinalam mudança decisiva numa técnica em evolução
Gerador
1. que ou o que gera, produz ou procria
Gerar
1. Dar existência ou ORIGEM 2. ser a causa ou a origem de; criar produzir 3. adquirir existência; nascer
Existência
1. forma de viver 2. presença 3. período de tempo; duração
Mochila
1. Bolsa com alças para ser carregada nas costas
Créditos para Rafael Queres
6 comentários:
Quem publicou? E que anúncios são esses? Fiquei curioso.
pc
Fui eu, PC. Rafael Queres.
há braços!
Excelente texto!
Helga.
Obrigado, Helga!
Esqueci de escrever um detalhe:
"calça da Gang toda mulher quer! 200 reais pra botar a bunda em pé"
É mole ou quer mais?! Só rindo...
A propósito, o negócio do Kerouac não era a calça da Gang. O cara gostava mesmo era dos jeans desbotados da Levis.
Se alguém conseguisse ver o filme Juventude Transviada, com o James Dean, de repente, era possível fazermos uma correlação com o espírito rebelde dos anos 50.
Só por curiosidade, o título original do filme é "Rebel Without a Cause"
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